As incríveis cidades que encolheram
Demitiram o Robocop. Se um dia ele for criado, o policial ciborgue não terá subúrbios violentos de Detroit para fazer sua ronda. "Em um futuro próximo", a cidade vai fazer algo que nenhuma distopia dos anos 80 previu: diminuir.
Este ano, Detroit deu início ao espetáculo do descrescimento: fechou escolas, cortou coleta de lixo e oferta de água, gás e esgoto em vários bairros, além de demolir 3 mil casas - em 2011, serão mais 7 mil. No Brasil, ações semelhantes renderiam impeachment - em Robocop 3, por exemplo, geraram revolta popular. Mas, em uma cidade com metade dos habitantes que já teve e um terço do território abandonado, garantiram a reeleição do prefeito.
Estima-se que mais de 200 cidades médias e grandes nos EUA, na Europa e até no Brasil estão diminuindo, seja pela emigração de indústrias, seja pela redução das atividades que as fizeram crescer. Depois de décadas tentando recriar o passado, agora elas buscam soluções para encarar a nova realidade. Será que menos pode ser mais?
Em Detroit e outras cidades americanas, a marcha à ré foi acionada pela longa agonia da indústria automotiva. Depois de passar por negação, raiva, negociação e depressão, a cidade finalmente chegou ao último estágio clássico do luto: aceitação. A ideia agora é tornar a cidade vazia mais enxuta, para reduzir o gasto público e melhorar a qualidade de vida de quem ficou. Em vez de continuar a investir em áreas pouco povoadas, o consenso é que se deve concentrar gastos nas áreas consideradas mais viáveis e transformar os bairros fantasmas em parques e fazendas.
Diminuir para melhorar é o desafio de Flint, também em Michigan, primeira sede da GM - que já teve 79 mil funcionários na região e hoje emprega 8 mil. Os planos incluem reduzir a área urbana em 40% e cobrir o resto de verde. "Vamos criar a nova floresta de Flint, trocar decadência por qualidade de vida", diz Dan Kildee, porta-voz do movimento para reduzir a cidade. "A questão não é se essas cidades estão encolhendo - todas estão -, mas se vamos deixar isso acontecer de uma forma destrutiva ou sustentável."
Redução global
Na região de Manchester, berço da revolução industrial, a população é metade da de 1930. A queda do Muro de Berlim provocou uma emigração em massa rumo ao Ocidente: na antiga Alemanha Oriental, há mais de 1 milhão de apartamentos abandonados. No Japão, enquanto o inchaço de Tóquio sugere crescimento, a maior parte das cidades encolhe, por causa das taxas de natalidade cada vez menores.
No Brasil, o caso mais emblemático de despovoamento é o de São Caetano, no ABC paulista. Em 1980, a cidade tinha 163 mil habitantes, contra 137 mil em 2006. Apesar de ter uma mão de obra altamente qualificada, assim como em Detroit a região perdeu boa parte de seu parque automotivo para re-giões com impostos e sindicatos mais brandos. "O deslocamento das indústrias para outras localidades desestruturou a economia do maior parque automobilístico do país", explica o professor Sergio Moraes, do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade na Universidade Federal de Santa Catarina.
Sergio também é membro do Shrinking Cities International Research Network, projeto criado pelo alemão Phillipp Oswalt para analisar o despovoamento das cidades no mundo contemporâneo e que reúne mais de 100 cientistas, arquitetos, artistas e designers. O desafio deles é propor soluções arquitetônicas que ajudem as cidades que encolhem a conviver com seu novo, imprevisto e indesejado tamanho. É péssimo que a sua cidade encolha, claro. "Mas é preciso aceitar o processo como uma via de evolução da cidade, lidar com a situação em vez de negá-la", diz o pesquisador. Nos EUA, já está ocorrendo até uma mudança de terminologia, trocando "cidades que encolheram" por "cidades do tamanho certo".
Mudar para menor
O trabalho coordenado por Oswalt sugere que o encolhimento de cidades vai continuar e atingir novas áreas nas próximas décadas.
Se hoje as regiões abandonadas são as suspeitas de sempre, áreas decadentes, como distritos industriais e grandes blocos de apartamentos, mais adiante a desurbanização deve ocorrer até nos hoje valorizados prédios de escritórios. A comunicação móvel e sem fio deve incentivar cada vez mais gente a trabalhar em casa, reduzindo drasticamente a necessidade de espaço em prédios comerciais. Além disso, após uma fase de expansão dos condomínios cada vez mais distantes, deve haver uma reconcentração populacional, gerada pelos custos com transporte e pelas limitações à mobilidade de uma população mais velha. Resta saber como os velhos centros vão receber seus novos moradores.
Diante dessa realidade, cada município minimizado vai ter de escolher se chora sobre o limão derramado ou se faz uma limonada urbanística. Todas essas cidades têm na mão a chance de se tornarem mais eficientes e sustentáveis. E até de conseguir elevar a qualidade de vida da população, na contramão da crise que fez a cidade encolher. Segundo o arquiteto Dan Pitera, diretor do Detroit Collaborative Design Center na Universidade Detroit Mercy: "Quando uma cidade encolhe, surge uma oportunidade para a mudança".
Entenda qual o cenário das cidades que encolhem, o que pode ser feito para lidar com a situação e como deve ficar, no futuro, a paisagem urbana nesses locais
Como está - Bairros abandonados
O que fazer - Demolir bairros fantasmas
Como fica - Mais compacta em torno do centro
Como está - Imóveis depredados e invadidos
O que fazer - Reabitar imóveis nos bairros viáveis
Como fica - Velhos prédios com novos moradores
Como está - Fábricas desativadas
O que fazer - Otimizar a infraestrutura
Como fica - Fábricas convertidas em residências
Como está - Estradas e pontes pouco usadas e malconservadas
O que fazer - Fechar rodovias em áreas abandonadas
Como fica - Menos viadutos e ênfase no transporte coletivo
Como está - Menos moradores pagando pelos serviços públicos
O que fazer - Fechar escolas em áreas menos habitadas
Como fica - Mais áreas verdes, reflorestamento de bairros antigos
Para saber mais
Shrinking Cities International Research Network
www.shrinkingcities.org (em inglês)