Carla Cabrita, guia da natureza, foi a primeira a insurgir-se contra esta intervenção. Ao toque de alarme, dado há um mês, respondeu de imediato a comunidade científica. Galopim de Carvalho, na sua página do Facebook, destacou a importância do geomonumento, deixando um alerta: “Urge defendê-lo do camartelo do progresso, que o desinteresse, quase sempre fruto da ignorância de quem decide, põe em risco”.
No mesmo sentido manifesta-se, em resposta ao PÚBLICO, Ana Ramos Pereira, da Universidade de Lisboa: “Está ali um monumento que não se vê em mais lado nenhum em Portugal, e é muito raro encontrar mesmo na Europa”.
O presidente da Câmara de Vila do Bispo, Adelino Soares, desvalorizou estas críticas: “Só fizemos melhoramentos num caminho pré-existente”. Porém, neste caso, trata-se de uma zona sensível, situada na área do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina. Por conseguinte, a Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT), no passado dia 15, determinou a “necessidade de suspender qualquer intervenção na área enquanto não for devidamente comprovada a legalidade das intervenções em causa”. Uma “medida preventiva” já comunicada ao município.
Entretanto, a IGAMAOT, interpelado pela PÚBLICO, adiantou que foram efectuadas “diligências junto do ICNF” [Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas], dando nota de que tais acções “poderão consubstanciar a violação dos planos especiais incidentes sobre a área”.
O autarca, socialista, diz não compreender o “fundamentalismo” com que o assunto está a ser encarado. “Só pretendemos melhorar o acesso à praia do Telheiro [não vigiada], permitindo o acesso aos veículos de socorro em caso de acidente”, justifica. Mas, de seguida, passa ao contra-ataque: “Criticam, mas não sabem do que falam, porque não foram ao local, só viram fotografias”.
Além do caminho existente, agora terraplanado e alargado, foi prolongado o acesso, em mais 150 metros, até ao topo da arriba — um sítio onde só ocasionalmente circulavam veículos todo-o-terreno.
Paulo Fernandes, professor da Universidade do Algarve que investiga o geossítio há 25 anos, acha que “houve pouco cuidado” da parte da câmara nesta intervenção, embora reconheça que já lá existia um caminho. Mas, com a obra efectuada — sublinha —, vai ser possível estacionar no topo da arriba, o que, “além de proibido, é perigoso e potencia o risco de desmoronamento”.
Por seu lado, Ana Ramos Pereira, especialista em geomorfologia, que fez a sua tese de doutoramento sobre esta área, lembra que a morfologia permite “ler e compreender a evolução deste território com 250 milhões de anos”. O geomonumento, explica, é muito mais do que a parte rochosa que se destaca no horizonte. “Toda a Costa Vicentina é um geopatrimónio“, sublinha Ana Ramos Pereira. Porém, não subscreve a tese “fundamentalista” de restringir o acesso ao usufruto deste património como forma de o preservar. A melhor forma de o defender, enfatiza, “é divulgar o seu valor”.
O geomonumento da praia do Telheiro dá lições de História, sublinha Galopim de Carvalho: “Houve aqui, há centenas de milhões de anos, um antigo continente em aproximação, que acabou por se fechar na sequência da colisão que os uniu”. Desse choque resultou a formação de uma “grande cadeia de montanhas, parte dela estendendo-se pelo que é hoje o sul da Europa, incluindo a Península Ibérica”.
Falar com as plantas
Quando chega ao local, Carla Cabrita, guia da natureza há cinco anos, não resiste à tentação: começa a fazer festinhas aos tomilhos-do-mar como se estivesse a passar a mão pelo dorso de um gato. A planta, uma espécie protegida, responde às caricias libertando o seu perfume natural. “Adoro este cheiro “, diz a guia, inspirando, num gesto meditativo. Aproxima-se um casal de surfistas num carro de matrícula espanhola.
A viatura estaciona e, do interior, uma jovem atira um primeiro olhar à ondulação. O chamamento do mar surge de imediato: saltam e descem a montanha até à praia do Telheiro. “O meu receio é a massificação, espero que a destruição que se verificou noutras zonas do Algarve não se repita aqui”, observa Carla, natural do concelho. A actividade profissional que desenvolve começou pela paixão que tem pelas plantas silvestres. Ao mesmo tempo que caminha pelos trilhos, vai dando explicações aos turistas sobre a importância da biodiversidade daquele espaço. “Olha a violeta de Sagres”, diz Carla, soltando um sorriso de surpresa porque não seria suposto a planta estar tão bonita nesta época do ano. “Nos últimos tempos descobri que a geologia é a base de tudo”, afirma. Por isso, promete queixar-se às entidades europeias, “se nada for feito em Portugal” em defesa do geossítio.
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