Em Setembro do último ano, o Governo espanhol comprometeu-se a estudar um relatório aprovado no Congresso de Deputados que defende uma análise socioeconómica sobre a possível adopção do horário de Portugal em Espanha.
O documento foi preparado ao longo de nove meses com o contributo de 60 especialistas. Para além do regresso ao horário de Greenwich, o estudo abrange outras questões, como a defesa das jornadas contínuas de trabalho – com uma breve pausa para almoçar –, a possibilidade de as crianças entrem nas escolas mais tarde, alterações nos horários comerciais e, em muitos outros aspectos, no quotidiano castelhano.
A questão da alteração do fuso horário de Espanha é, pontualmente, tema de debate e existe cada vez mais um sector crescente da população a defender um modelo que é, para muitos, apontado como menos produtivo e com fortes condicionalismos sobre a vida pessoal. Numa altura em que Espanha atravessa uma crise financeira, muitos advogam que o atraso de uma hora no relógio poderia ser economicamente mais vantajoso. Porém, desde que o estudo foi aprovado, o Governo de Espanha nunca mais voltou a estudar o assunto.
A retoma do fuso horário de Greenwich é uma questão delicada já que, apesar de a hora actual de Espanha não ser a natural do país, os espanhóis já estão acostumados e os hábitos enraizados. Mas nem sempre foi assim. Até 1942, Espanha regia-se pelo horário de Greenwich, que dita a mesma hora para Portugal, Reino Unido e Marrocos. A alteração da hora ocorreu quando Franco se alinhou com a Alemanha, que tinha imposto o fuso horário germânico a França e outros países. Portugal e o Reino Unido chegaram mesmo a adoptar o fuso horário de Hitler, mas depois da guerra regressaram ao fuso horário natural, o que não aconteceu com Espanha e França.
Impactos do regresso ao horário natural
Mas quais seriam os verdadeiros impactos na sociedade espanhola da retoma do fuso horário de acordo com a posição geográfica do país? Segundo o relatório, regressar ao horário de Greenwich, o fuso TMG, que é inspirado no ciclo solar diurno, teria um efeito favorável na conciliação da vida laboral e familiar. Assim, os espanhóis teriam mais tempo para a vida familiar, para a sua formação, vida pessoal ou lazer – e evitariam tempos mortos na jornada laboral diária, que se tornaria mais produtiva e seria um benefício económico para o país.
O horário laboral de Espanha é habitualmente caracterizado por jornadas longas pela manhã e tarde, com uma pausa ao meio da manhã e outra pausa para almoço, por volta das 14h, que se pode prolongar por duas horas. O dia acaba já de noite, refere o New York Times. O comércio normalmente abre apenas às 10h e fecha no período de almoço. Como o horário de almoço é bastante alargado, muitos espanhóis aproveitam para dormir a “siesta”. Caso o relógio atrasasse uma hora, a “siesta” teria de ser encurtada.
Com um horário destes torna-se difícil conciliar a vida profissional e pessoal, já que a noite não começa normalmente antes das 22h00, hora normal para se jantar em Espanha. Porém, esta já é uma hora tardia para as crianças que, no dia seguinte, têm de acordar cedo para ir para as aulas. Desta forma a vivência entre família é reduzida ao mínimo.
A adopção do horário de Portugal permitiria também aos espanhóis uma redução do consumo e dos custos energéticos, já que o prime-time televisivo seria reduzido, o que se traduziria em menos horas de televisão. O horário nobre da televisão espanhola começa às 22, com o noticiário que acompanha o jantar e pode estender-se até à madrugada do dia seguinte. A alteração do prime-time deu-se também com Franco, quando as rádios foram obrigadas a emitir dois noticiários acompanhados de propaganda – às 14h30 e 22h. Quando a televisão surgiu, na década de 1950, as mesmas regras aplicaram-se. Posteriormente, nos anos 1990, ainda na transição do período pós-ditatorial para um regime democrático, os canais de televisão privados alargaram ao máximo o horário nobre. Um dos últimos estudos sobre os hábitos televisivos dos espanhóis indica que cerca de 12 milhões vêem televisão até à 1h.
Assim, a adopção do horário de Greenwich permitiria não só poupar no consumo energético, como beneficiaria a vida familiar e pessoal e aumentaria a produtividade laboral, já que o horário de trabalho teria menos interrupções e acabaria mais cedo.
Foto: FABIOLA MEDEIROS / Creative Commons